Palavra Solta - preciso de palavra sem voz

Decididamente, prefiro a palavra sem voz. Prefiro ouvir o grito e a pronúncia sem ter de ouvir qualquer tipo de voz humana. 
Preciso, necessito, tenho de ouvir sempre a palavra sem voz. Triste do ser humano que desde o amanhecer ao anoitecer tem de continuamente estar ouvindo a palavra maldosa do vizinho, a fofoca do conhecido, a arrogância da autoridade, o esnobismo do poder, o tiro verbal disparado nas ruas, as hipocrisias da língua. 
Não, não quero isso pra mim. Não quero mais ter na palavra ou na voz do outro a desfeita da vida. 
Preciso, pois, de palavra sem voz. Uma palavra vinda do vento, chegada da boca da noite, expressada do lábio da brisa. Uma palavra que se traduza no olhar um pôr do sol, um amanhecer ajardinado e perfumado, um horizonte pronunciando sonhos e desejos de partida. Quero uma palavra assim, nascida na memória, no pensamento, na nostalgia. Quero uma palavra que me chegue cheirando a café torrado, a pão saindo do forno, a fruta madura de quintal. E a tudo responderei pela voz do coração. Sem palavras.


Rebeca Lima

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